segunda-feira, outubro 02, 2006

Alguém, nalgum lugar, olha por nós

"Amar é conhecer mais do outro do que ele sabe de si próprio e descobrir que ele conhece mais de nós do que nós mesmos. É por isso que, de cada vez que se ama, se descobre a distância entre imaginar que se voa e aprender a voar. Mas o amor «não é uma coisa que se tenha, mas aquilo a que se acede». E é, também, pela sua fragilidade essencial que qualquer «eu amo» se torna tão sensível às mais pequenas desilusões. Mesmo entre os pais e os filhos (porque, nas famílias, as crianças conhecem mais dos pais do que eles próprios conhecem de si ou dos seus filhos...).
Se crescer representa que cada um olhe por si, o olhar só se transforma num promontório quando alguém, nalgum lugar, olha por nós. E sabe mais de nós do que nós próprios. Talvez, por isso, no meio das traquitanas que temos cá dentro, possam confundir-se as pessoas por quem olhamos (que não olham por nós) com aquelas que nos conhecem melhor do que nós mesmos. Diante das primeiras, logo que se sofre, abre-se um desfiladeiro. Com as segundas, cria-se uma ponte. Mas porque é que nos iludimos, tantas vezes, olhando por quem não quer, não pode ou resiste, simplesmente, a olhar por nós? Porque motivo nos iludem, levando a que se traia tudo aquilo a que se aspira?
Eu sei - e você sabe - que escolher é dividir e multiplicar ao mesmo tempo. Essa aritmética do que temos cá dentro torna-se mais difícil quando sempre nos disseram que educar é abotoar o coração, até ao último botão. É de tanto o abotoar que todos nós - uns mais que outros - temos medo do amor, nos baralhamos nele ou, pior, fugimos de o viver, não percebendo que pior do que ter medo é fugir de o ter.
Ao contrário do que sucede na natureza - onde um problema não se resolve com soluções mas com um problema mais complexo que nos desafia com simplicidade - crescemos imaginando que é possível aprender sem errar. No amor, por maioria de exigência. O que transforma, muitas vezes, o coração numa folha de cálculo. Ora, do mesmo modo que dar à luz não é tirar todas as dúvidas (mas pôr problemas), errar é aprender. E descobrir que, olhando por quem se olha, o importante nunca é saber como se faz, mas com quem se conta para chegar ao que se quer.
Talvez, por isso, no meio das traquitanas que temos cá dentro, possam confundir-se as pessoas por quem olhamos (que não olham por nós) daquelas que nos conhecem melhor do que nós mesmos. Com as primeiras crescemos com asas... e pedindo desculpa por voar. Junto das segundas, não são precisas asas para que nos levem a voar. As primeiras são um espelho que nos cega. As segundas desabotoam-nos, por dentro, sempre que fazem de fadas-arrumadeiras e, seja como for, nos dizem (sem o dizer) que, alguém, nalgum lugar, olha por nós."
Eduardo Sá in NotíciasMagazine (24.set.2006)

3 Comments:

At segunda-feira, outubro 02, 2006 12:56:00 da manhã, Blogger Saraï said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At segunda-feira, outubro 02, 2006 12:57:00 da manhã, Blogger Saraï said...

(Quando nos faltam as palavras, há sempre alguém que o escreve melhor do que nós próprios alguma vez pensaríamos escrever.)
Porque realmente alguém, nalgum lugar, olha por nós, desabotoando-nos o coração e deixando-o livre para voar sem asas.

 
At quarta-feira, outubro 25, 2006 12:11:00 da manhã, Blogger Rafael M. Silva said...

É verdade que há gente a sentir como nós... igual a nós...

 

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